28 de jan. de 2013

Um incêndio pode derreter nossa moral relaxada?

Os jornais desta segunda-feira trazem ampla cobertura sobre o incêndio em uma boate no Rio Grande do Sul, tragédia que deixou mais de duzentos mortos. Desde as primeiras notícias, as informações indicam que era uma tragédia anunciada, vários aspectos da segurança e prevenção contra acidentes foram negligenciados, e não só na noite de sábado como todos os outros dias em que a boate funcionou. E eu arrisco dizer que esta é a realidade de virtualmente todos os outros estabelecimentos semelhantes no Brasil.

É um acontecimento que nos deixa horrorizados, sensibilizados pelos depoimentos das famílias das vítimas, penalizados pelos anos de vida que foram perdidos num único evento, a maioria dos mortos composta de jovens no início da vida produtiva. O impulso inicial é clamar por justiça, por uma ação rápida e eficaz para punir os responsáveis, e esse clamor associado com a repercussão internacional já produziu as primeiras consequências.

Mas quantos de nós estamos realmente dispostos a dissecar a origem do problema? É aí que nosso conceito de cidadania começa a ficar mais elástico. Todos concordam que a boate em questão não deveria estar funcionando, mas quantos deixarão de frequentar suas casas noturnas preferidas até que elas se adequem às normas de segurança?

Imaginem o seguinte cenário: impactadas pelo trágico evento as autoridades decidem exigir cumprimento rigoroso das normas de prevenção contra incêndios, e o fechamento de todas as casas noturnas, bares e restaurantes que oferecem risco de uma nova tragédia. Quantas pessoas apoiariam esta medida e quantas diriam que não precisa radicalizar, que há soluções alternativas? Afinal, se os empresários da noite forem seguir todas as normas, não terão lucro e a população não terá onde se divertir, melhor deixar como está...

Eventos trágicos dessa magnitude nos jogam no colo o custo da desorganização social, incomparavelmente mais caro que o sacrifício diário de se submeter à ordem. Porém são eventos raros - felizmente! - e com o tempo nossa moral relaxada nos convence de que frequentar aquela boate não é assim tão perigoso, dirigir depois de beber não é um problema - afinal eu bebi pouco e sou controlado -, sentar no bar que ocupa irregularmente a calçada e atazana a vizinhança já faz parte da nossa cultura. Até que vem a próxima tragédia e todos se indignam novamente clamando por justiça.

18 de jan. de 2013

Além do voto

No decorrer dos cerca de vinte anos de existência do meu título de eleitor, apenas três Presidentes diferentes foram eleitos. Um quarto, Itamar Franco, governou por dois anos em substituição ao único presidente expulso de seu posto, e que hoje ri e dá conselhos em seu gabinete do senado.

Durante todo esse período José Sarney exerceu mandatos eletivos, César Maia e Garotinho fizeram carreira no Rio de Janeiro (e a transmitiram à família), Paulo Maluf ganhou eleições mesmo depois de tornar-se procurado internacionalmente. Políticos foram associados com todo tipo de crime e corrupção, inclusive com atos quase irreais como assassinatos com motosserra.

Na primeira eleição em que votei para Governador do Distrito Federal, meu candidato foi eleito para depois ser preso por corrupção. E mesmo assim eu fiquei feliz com a minha escolha, porque ajudou a enterrar a carreira política de Joaquim Roriz. Na eleição seguinte escolhi um candidato com a ficha suja em função de uma passagem conturbada pelo Ministério dos Esportes, outra vez para matar a carreira de Roriz. Estou torcendo para que na próxima eleição eu possa possa me basear em outros motivos.

Dizem que o voto é a arma do cidadão, mas essa arma se tornou obsoleta, uma baioneta contra as máquinas pesadas de um sistema político construído para perpetuar os corruptos. E a corrupção avança descaradamente, em todos o partidos, em todos os níveis, avança no nosso dia-a-dia, na falta de ética no trânsito, na busca de vantagens pessoais em detrimento do coletivo, no desrespeito sistemático a toda e qualquer lei.

Parece-me cada vez mais claro que votar já não faz muita diferença, o indivíduo eleito acaba se dobrando ao sistema de corrupção já instalado, em favor da governabilidade ou sob a alegação de que, para sobreviver politicamente, tem que ceder.

Continuemos votando, então, porque a democracia ainda é - disparadamente - a melhor alternativa. Porém precisamos matar a ilusão de que o voto é transformador; o voto é apenas cotidiano. Necessário, imprescindível, assim como também escovar os dentes é indispensável. E ninguém acha que vai mudar o país porque tem uma boa higiene bucal.

Vamos além do voto, portanto, vamos tomar parte na vida política, não necessariamente como candidatos, mas especialmente como cidadãos. Ser cidadão não é somente pagar seus impostos e esperar por soluções. É tomar posição, cobrar ações, propor soluções. É dar exemplo. Proponho a todos que comecem um exercício de pensar, todo dia, o que pode ser feito hoje para melhorar seu bairro/cidade/país. Vamos além do voto.