4 de out. de 2014

Para onde vai o seu voto? (Parte 2)

Véspera de eleição, hora de fechar os votos. Essa semana saiu um pesquisa mostrando que 70% dos eleitores no Distrito Federal não haviam definido seus votos para deputado distrital (aqui é assim, não tem deputado estadual) ou federal. Embora o impulso seja de dizer que o povo não sabe votar, que isso é falta de consciência, eu imediamente penso que, na verdade, ninguém sabe em quem vai votar para deputado.

Mesmo que você pense que sabe, graças ao nosso sistema eleitoral (http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/10/140930_eleicoes2014_voto_deputados_pai) o seu voto pode ir para alguém que você sequer imagina, um corrupto, alguém que defende ideais contrários aos dos seus candidatos.

Veja que interessante: no Distrito Federal, em 2010, o coeficiente eleitoral para deputado federal foi de 175.760. A coligação PP / PSC / PR / DEM / PSDC / PRTB / PMN / PSDB / PT DO B elegeu dois candidatos: Izalci Lucas Ferreira e Ronaldo Fonseca de Souza, ambos do PR. Nenhum deles atingiu o coeficiente eleitoral, e somente foram eleitos graças aos votos dos outros muitos candidatos que compunham a coligação.

Pois preste bem atenção, mesmo que você tenha votado em um partido - vamos supor que tenha escolhido o PSDB - ainda assim você sequer contribuiu para eleger um candidato desse partido. Ao final, o seu voto serviu para eleger dois candidatos do PR. De fato, dos oito deputados federais eleitos no DF, apenas dois, Reguffe e Paulo Tadeu, receberam votos suficientes para serem eleitos, o resto entrou graças aos muitos candidatos arrolados para a coligação. Vale destacar que o Paulo Tadeu acabou por deixar o cargo para participar do Governo do DF (e depois ganhou uma vaga vitalícia no Tribunal de Contas), e com isso apenas um candidato realmente escolhido pela população foi eleito.

Vejamos agora o cenário de 2014. Apenas o PSOL, que não formou coligação com nenhum outro partido, tem 13 candidatos. Assumindo que o coeficiente eleitoral será semelhante, basta que cada candidato consiga em média um pouco menos de 15 mil votos para que o PSOL eleja um deputado.

No dia da eleição, boa sorte para nós que achávamos que havíamos escolhido nossos candidatos.




17 de set. de 2014

Para onde vai o seu voto? (Parte 1)

De todas as escolhas que terei que fazer nessa próxima eleição, a mais fácil para mim será para a vaga de senador. Os candidatos no Distrito Federal são: Aldemario (PSOL), Expedito Mendonça (PCO), Magela (PT), Jamil Magari (PCB), Gim Argello (PTB), Reguffe (PDT), Robson (PSTU) e Sandra Quezado (PSDB). Excluindo aqueles que não devemos levar a sério os outros são políticos com trajetórias recheadas de notícias ruins, exceção feita ao Reguffe. Atualmente no mandato de deputado federal, sua bandeira de campanha (http://www.reguffe123.com.br/) inclui a redução dos gastos dos parlamentares, fim do voto obrigatório e implantação do voto distrital, e seu desempenho no Congresso, entre comparecimento e posicionamentos, tem sido bastante satisfatório aos meus olhos.

Mas ao votar no Reguffe, em quem estou votando de verdade? Embora a pergunta pareça estranha, pois para senador não há o coeficiente eleitoral, ela faz muito sentido ao olharmos para a figura dos suplentes: quando escolhemos um senador ele traz consigo dois apêndices que o substituirão no Senado durante seus afastamentos do cargo, e há farto material mostrando os interesses nessa função (por exemplo: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/os-suplentes-a-boa-vida-dos-senadores-sem-voto e http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,suplentes-dos-candidatos-ao-senado-sao-os-mais-ricos-e-atuam-como-financiadores,1537918).

Voltando ao Reguffe, seu primeiro suplente é Jose Carlos de Moraes Vasconcellos Filho, sócio da empresa Gestão e Inteligência em Informática LTDA. Uma rápida busca na internet mostra que essa empresa recebeu nos últimos anos muitos milhões em contratos com o Governo do Distrito Federal, inclusive com algumas condenações no Tribunal de Contas da União. Isso não é opinião, é fato, e nos leva a fazer pelo menos duas especulações: qual o interesse desse empresário em ser suplente de senador? Qual a autonomia que o senador eleito terá para contrariar os interesses desse empresário que é seu suplente e, provavelmente, seu principal financiador?

Talvez minha escolha não seja tão fácil quanto imaginava...

8 de ago. de 2014

O que você quer?

Não há vento a favor para quem não sabe aonde vai. Uma estratégia recorrente usada pela maioria dos pais para lidar com o voluntarismo dos filhos é dissuadir a criança, induzindo-a na direção contrária, de forma que a reação da criança em negar o que lhe é sugerido a leve para o caminho certo. Nesse caso os filhos se tornam alvo fácil da estratégia, pois não estão seguros sobre o que desejam e não possuem um arcabouço de conhecimentos e experiências que rivalize com o de seus pais.

Iniciadas as campanhas eleitorais, me sinto como em um show de mágica, olhando para o lado indicado pelo mágico enquanto o truque ocorre atrás da capa. As propostas de governo apresentadas pelos candidatos são absolutamente genéricas, nada dizem de fato sobre o que pretende cada partido, muito menos permitem comparar as diferenças e realizar uma escolha informada. Nas entrevistas e na propaganda eleitoral os candidatos seguem com mais afirmações genéricas (melhorar a educação, fazer o Brasil avançar, acabar com a pobreza, construir soluções) ou ataques aos adversários, e a imprensa limita-se a repercutir os escândalos de seu interesse e reproduzir o discurso pasteurizado dos políticos.

O eleitor acaba por entrar em uma casa de espelhos na esperança de identificar o candidato menos desqualificado, um jogo de luzes e sombras que revela apenas a direção errada e induz a uma convicção infantil de que o outro lado é a salvação. Oculto pelas sombras e expondo à luz apenas a faceta de ser a alternativa ao caos – e os espelhos distorcem e ampliam o caos, com escândalos, insinuações, provas da falha de caráter do adversário – o Candidato passa a ser a única alternativa possível, ocultando suas próprias limitações, na figura de um novo salvador. Se eleito, lutará contra o legado de corrupção e ineficiência criado pela oposição e seus insucessos serão sempre atribuídos a sabotagens ou ao complicado equilíbrio financeiro do mundo moderno. A casa de espelhos nunca aponta as soluções, sempre refletindo e distorcendo os enormes problemas, a onda devastadora que está prestes a te alcançar e que exige que você corra e vote sem titubear, exercendo seu papel de cidadão.

Mas não é assim que deveria funcionar, não podemos determinar nosso voto apenas para afastar quem não queremos, não podemos ser forçados a um "voto utilitário" que visa tão somente colocar na disputa uma pessoa qualquer que tenha mais chances de deslocar do poder a alternativa que nos empurrará para o caos. Ao agirmos assim destituímos o valor da eleição, nosso voto não tem força, é um cheque em branco para aquele candidato que escolhemos não rejeitar. É essa fragilidade do voto que permite que os candidatos não assumam nenhum compromisso, ou que defendam ideias que claramente não irão sustentar depois de eleitos (como a redução do número de ministérios, por exemplo).

Um voto forte é aquele oferecido em troca do compromisso do candidato de defender os interesses do eleitor, de forma que depois de eleito o político tenha uma obrigação a cumprir, sob o risco de não receber mais o apoio do eleitor. Mas isso exige que cada um saiba quais são seus interesses. O que você quer? Esqueça por um minuto os candidatos e os partidos e pense no que você quer para o país, para o estado, para você. Vale a pena investir no combate a miséria? A prioridade para reduzir a violência deve ser a repressão policial ou a transformação social? É possível combinar os dois? O que é mais urgente, uma reforma da previdência, uma reforma tributária, uma reforma educacional? Quais os setores da indústria nacional devem receber maiores incentivos do governo? Qual deve ser a política adotada para o salário mínimo? Que alterações devem ser feitas no nosso sistema político?

Se todos delinearem claramente seus interesses fica mais fácil forçar cada político a se comprometer com uma linha de ação. Enquanto defendermos bandeiras genéricas – o combate à corrupção, o desenvolvimento do país, o equilíbrio econômico, a eficiência do Estado – estamos favorecendo que cada partido apresente ideias genéricas e não precise se comprometer com nenhuma proposta concreta.

Para essas eleições, e certamente para algumas outras que virão, dada a complexidade dos temas, meus interesses incluem:
  1. Prioridade de investimentos para a educação, com metas estabelecidas para elevar o desempenho dos estudantes nas avaliações, aumentar o vencimento dos professores, duplicar em quatro anos o número de estudantes matriculados no nível superior.
  2. Ampliação dos programas de distribuição de renda, como o Bolsa Família, e aceleração do aumento real do salário mínimo.
  3. Criação de um cronograma de redução substancial das barreiras de proteção a indústria nacional, submetendo o setor a uma maior competição internacional. Paralelamente, realização de uma reforma completa da legislação, inclusive no que diz respeito a impostos e taxas, de forma a estimular ao máximo o surgimento de novas empresas e empreendimentos.
  4. Extinção do voto obrigatório e modificação do sistema de eleição de vereadores e deputados de forma a acabar com o efeito tiririca.
  5. Vinculação das alianças partidárias nacionais com as estaduais, de forma que um partido seja obrigado a repetir em todas as unidades da federação as alianças nacionais.
  6. Simplificação do sistema judiciário, reduzindo o número de possibilidade de recursos, estabelecendo prazo máximo de tramitação em cada instância e definindo mecanismos de punição para os tribunais menos eficientes.
  7. Extinção progressiva de todos os benefícios oferecidos a vereadores, deputados e senadores, incluindo recursos para ressarcimento de despesas, cargos de livre nomeação, uso de veículos oficiais, de forma que cada parlamentar receba apenas um salário fixo, com 13º, e tenha direito a nomeação de até dois assessores, cujos salários serão vinculados a sua presença no parlamento, sendo descontados os dias de ausência, mesmo que justificadas, salvo casos previstos na CLT ou na lei 8.112.
Estes são alguns dos meus interesses. E os seus, quais são?

4 de abr. de 2013

Parâmetros de qualidade

A noção de que nossos representantes políticos são muito ruins é quase unanimidade, em todas as classes e em todas as partes do país. A percepção se mostra pior para o legislativo: senadores, deputados e vereadores viraram um sinônimo imediato de corrupção e interesses escusos, ao ponto de que já nem tentam mais negar seus deslizes, aceitam assumir que fazem tudo errado alegando a prática é comum a todos. Nivelam por baixo e deixam explícito que seus interesses estão acima dos interesses nacionais. No executivo a situação não é diferente, as últimas eleições municipais estiveram recheadas de exemplos de prefeitos que jogaram o município no caos antes de encerrarem o mandato apenas porque seu partido perdera as eleições. Que se dane a cidade, o interesse é apenas manter o cargo ou entregá-lo aos parceiros. E mesmo os altos índices de aprovação da atual presidente vêm embolados no entendimento de que seu bom desempenho ocorre apesar de toda a corrupção que a cerca, no seu partido e nos aliados tanto quanto na oposição.

O deputado federal que se elegeu no principal estado do país com o slogan "pior do que tá não fica" é apenas o expoente de uma estratégia que vem servindo para perpetuar no poder os corruptos. Uma vez criado o senso comum de que todo político é ruim, qualquer um pode se eleger. Não existe parâmetro de qualidade, não existe comparação objetiva baseada na capacidade dos candidatos de desempenharem um bom papel como legisladores ou como administradores; a eleição se resume a montanhas de dinheiro investido em propaganda e a manutenção de um sistema eleitoral que favorece o voto inconsciente, anestesiado, no qual o cidadão não consegue saber exatamente quem elegeu e de quem pode cobrar o seu voto.

Como eleitores temos a obrigação de estabelecer critérios mais objetivos para escolher nossos candidatos, e fazer do acompanhamento das atividades políticas uma tarefa rotineira. Se os políticos fossem constantemente avaliados e comparados, teríamos instrumentos melhores para estabelecer nossas escolhas. E, acima de tudo, mecanismos mais eficientes de pressão popular. Se cada um de nós usar parte das horas gastas nas redes sociais para divulgar informações sobre as atividades, boas ou ruins, de nossos políticos, teríamos um mecanismo constante de avaliação e comparação.

Alguns parâmetros de qualidade simples podem ser utilizados sem muito esforço. Para o legislativo, por exemplo, podemos acompanhar a presença nas sessões plenárias e nas comissões, o voto nas principais matérias, o número de projetos propostos e quantos se tornaram leis. Podemos ainda analisar a quantidade de assessores e suas qualificações e os gastos com verbas indenizatórias. No executivo é possível estabelecer metas para o governante e verificar o quanto elas foram atingidas ao final do mandato, comparar a evolução de gastos em seu governo, o percentual de conclusão de obras e projetos.

Agindo assim seremos capazes de definir o perfil e a expectativa de desempenho dos políticos que queremos eleger, induziremos a imprensa a obter e divulgar dados mais objetivos sobre os candidatos e, principalmente, criaremos mecanismos de acompanhamento e fiscalização dos eleitos. Não é a solução definitiva, mas certamente um bom instrumento de questionamento e de manifestação popular. Imagine, tomando um exemplo recente, se analisássemos o desempenho objetivo de ministros nomeados, dos presidentes do senado e da câmara dos deputados, de presidentes de comissões. Seria muito mais fácil identificar quem foi escolhido por suas competências e quem está lá apenas para receber a fatia do bolo.

28 de jan. de 2013

Um incêndio pode derreter nossa moral relaxada?

Os jornais desta segunda-feira trazem ampla cobertura sobre o incêndio em uma boate no Rio Grande do Sul, tragédia que deixou mais de duzentos mortos. Desde as primeiras notícias, as informações indicam que era uma tragédia anunciada, vários aspectos da segurança e prevenção contra acidentes foram negligenciados, e não só na noite de sábado como todos os outros dias em que a boate funcionou. E eu arrisco dizer que esta é a realidade de virtualmente todos os outros estabelecimentos semelhantes no Brasil.

É um acontecimento que nos deixa horrorizados, sensibilizados pelos depoimentos das famílias das vítimas, penalizados pelos anos de vida que foram perdidos num único evento, a maioria dos mortos composta de jovens no início da vida produtiva. O impulso inicial é clamar por justiça, por uma ação rápida e eficaz para punir os responsáveis, e esse clamor associado com a repercussão internacional já produziu as primeiras consequências.

Mas quantos de nós estamos realmente dispostos a dissecar a origem do problema? É aí que nosso conceito de cidadania começa a ficar mais elástico. Todos concordam que a boate em questão não deveria estar funcionando, mas quantos deixarão de frequentar suas casas noturnas preferidas até que elas se adequem às normas de segurança?

Imaginem o seguinte cenário: impactadas pelo trágico evento as autoridades decidem exigir cumprimento rigoroso das normas de prevenção contra incêndios, e o fechamento de todas as casas noturnas, bares e restaurantes que oferecem risco de uma nova tragédia. Quantas pessoas apoiariam esta medida e quantas diriam que não precisa radicalizar, que há soluções alternativas? Afinal, se os empresários da noite forem seguir todas as normas, não terão lucro e a população não terá onde se divertir, melhor deixar como está...

Eventos trágicos dessa magnitude nos jogam no colo o custo da desorganização social, incomparavelmente mais caro que o sacrifício diário de se submeter à ordem. Porém são eventos raros - felizmente! - e com o tempo nossa moral relaxada nos convence de que frequentar aquela boate não é assim tão perigoso, dirigir depois de beber não é um problema - afinal eu bebi pouco e sou controlado -, sentar no bar que ocupa irregularmente a calçada e atazana a vizinhança já faz parte da nossa cultura. Até que vem a próxima tragédia e todos se indignam novamente clamando por justiça.

18 de jan. de 2013

Além do voto

No decorrer dos cerca de vinte anos de existência do meu título de eleitor, apenas três Presidentes diferentes foram eleitos. Um quarto, Itamar Franco, governou por dois anos em substituição ao único presidente expulso de seu posto, e que hoje ri e dá conselhos em seu gabinete do senado.

Durante todo esse período José Sarney exerceu mandatos eletivos, César Maia e Garotinho fizeram carreira no Rio de Janeiro (e a transmitiram à família), Paulo Maluf ganhou eleições mesmo depois de tornar-se procurado internacionalmente. Políticos foram associados com todo tipo de crime e corrupção, inclusive com atos quase irreais como assassinatos com motosserra.

Na primeira eleição em que votei para Governador do Distrito Federal, meu candidato foi eleito para depois ser preso por corrupção. E mesmo assim eu fiquei feliz com a minha escolha, porque ajudou a enterrar a carreira política de Joaquim Roriz. Na eleição seguinte escolhi um candidato com a ficha suja em função de uma passagem conturbada pelo Ministério dos Esportes, outra vez para matar a carreira de Roriz. Estou torcendo para que na próxima eleição eu possa possa me basear em outros motivos.

Dizem que o voto é a arma do cidadão, mas essa arma se tornou obsoleta, uma baioneta contra as máquinas pesadas de um sistema político construído para perpetuar os corruptos. E a corrupção avança descaradamente, em todos o partidos, em todos os níveis, avança no nosso dia-a-dia, na falta de ética no trânsito, na busca de vantagens pessoais em detrimento do coletivo, no desrespeito sistemático a toda e qualquer lei.

Parece-me cada vez mais claro que votar já não faz muita diferença, o indivíduo eleito acaba se dobrando ao sistema de corrupção já instalado, em favor da governabilidade ou sob a alegação de que, para sobreviver politicamente, tem que ceder.

Continuemos votando, então, porque a democracia ainda é - disparadamente - a melhor alternativa. Porém precisamos matar a ilusão de que o voto é transformador; o voto é apenas cotidiano. Necessário, imprescindível, assim como também escovar os dentes é indispensável. E ninguém acha que vai mudar o país porque tem uma boa higiene bucal.

Vamos além do voto, portanto, vamos tomar parte na vida política, não necessariamente como candidatos, mas especialmente como cidadãos. Ser cidadão não é somente pagar seus impostos e esperar por soluções. É tomar posição, cobrar ações, propor soluções. É dar exemplo. Proponho a todos que comecem um exercício de pensar, todo dia, o que pode ser feito hoje para melhorar seu bairro/cidade/país. Vamos além do voto.